A integração da sombra

09-07-2013 00:27

Por razões enumeráveis vivemos numa sociedade crítica e julgadora. Tornamo-nos nós mesmos críticos, julgadores e sempre disponíveis para fazer juízos de valor. Esta é a nossa realidade e não concebemos uma existência noutros parâmetros.

Todo este padrão inicia-se na desintegração do individuo. Na segregação dos conteúdos humanos em dois grandes grupos: o conjunto de tudo o que aceitamos e o conjunto de tudo o que não aceitamos, evitamos e criticamos. A eterna luta entre o bem e o mal.

Ao que aceitamos atribuímos uma carga emocional positiva, cultivamos e elogiamos essas características. O que evitamos é suprimido da consciência. Fica latente e presente apenas no nosso inconsciente, na nossa sombra.

Esta sombra é desconhecida do individuo mas está sempre ativa. Conduzimos a vida eludidos tudo fazendo para fugir à nossa sombra. A sombra, inconsciente, torna-se assim quem realmente nos conduz. Uma entidade negativa que reveste a nossa vida de angústia, tensão e incompreensão, uma vez que estamos constantemente a recalcar uma grande parte de nós. No processo percetivo construímos uma realidade desajustada onde os significados estão mal atribuídos.

Para melhor compreender isto vamos analisar a perceção.

A todos os instantes recebemos um grande número de informação através do corpo e dos sentidos. Esta informação é processada pelo corpo, pelo sistema nervoso e pela psique. Desta forma, da informação que recebemos construímos imagens mentais que correspondem à perceção dessa informação, uma realidade à qual atribuímos significados exclusivamente referentes às nossas vivências e estruturas psíquicas.

Isto significa que todos os significados que atribuímos a qualquer coisa que observemos provêm da analise da informação que veio de fora e consequente projeção num mapa mental. Não criamos uma cópia exata da informação que recebemos mas antes uma interpretação.

Ao fim ao cabo a realidade vivenciada é o espelho de cada um. Se vivemos uma realidade onde haja componentes que evitamos, criticamos e julgamos, então esses componentes, que nos são inevitavelmente internos, são componentes da nossa própria sombra. Características, memórias, ideias, emoções, que não reconhecemos em nós mesmos, que não damos espaço para existir no nosso “eu consciente”. Componentes esses que se manifestam na nossa perceção da realidade manipulando e direcionando a nossa consciência. Esta conduz então a nossa vida de uma forma fugidia, em tensão, em frustração, cheia de incompreensões e labutas procurando superar algo que não pode ser superado, apenas integrado.

Assim, a integração da sombra é da maior importância. Temos de ter consciência que tudo o que nos rodeia é uma tela onde projetamos tudo o que nos é interno. Esta tela torna-se um espelho onde tudo o que esteja refletido é, em parte, nosso. Se no espelho temos uma imagem que não gostamos então há algo em nós que não gostamos, se criticamos algo, então criticamos algo em nós, se evitamos algo então evitamos algo em nós, etc…

Não é possível excluir algo que não gostamos na nossa realidade. Podemos mudar de trabalho, de país, de parceiros amorosos e de amigos mas na nossa realidade todos os conteúdos estarão sempre presentes. Este é o motivo pelo qual muitas pessoas sentem que passam pelas mesma situações inumeras vezes.

Assim, o primeiro passo para a integração da sombra é reconhecer que a realidade contem uma ilusão originária da projeção de nós mesmos.

Por exemplo, a imagem que achamos que os outros têm de nós mesmos é na realidade a imagem que nós temos de nós mesmos onde os “outros” são o nosso “ eu inconsciente” projetado com todos os seus juízos de valor, criticas e julgamentos.

Para a integração da sombra torna-se imprescindível assumir responsabilidade pela realidade que nos “define”. Somos criadores dela e ela faculta-nos informação sobre o que se passa dentro da nossa psique.

O Segundo passo é aceitar em nós mesmos tudo o que não aceitamos nos outros. Se há carga emocional negativa ou pejorativa em algo que observamos então é porque estamos a projetar a nossa sombra aí mesmo. Temos de olhar de frente, dizer e sentir, “certo, eu tenho isto e não há qualquer problema nisso”.

Aceitar é então chave para a integração da sombra. Aceitar é reconhecer quem somos, não julgar e não criticar, apenas é, apenas somos, e o "mal" não existe com existencia corpórea.

Quanto mais julgadores e críticos formos, quanto menos atrativa for a realidade em que vivemos então tanto maior será a nossa sombra, mais destorcida será a nossa realidade e menor será o nosso poder pessoal e capacidade para nos conduzirmos na existência.

Aceitar a sombra é deixar de ter sombra. A tensão característica da segregação de conteúdos psicológicos desaparece. Um novo paradigma de existência surge e nada é igual.

O terceiro passo é a contemplação. Com a integração da sombra a realidade deixa de estar sujeita a juízos de valor e passa para um novo tipo de realidade, uma realidade contemplativa. No estado contemplativo a nossa psique tudo aceita e por isso mesmo torna-se real a condução consciente da nossa existência. Só no estado de contemplação temos capacidade para usar o nosso poder pessoal de forma conscientemente direcionada. O verbo “Ser” e “Estar” passam a ser o mesmo. Libertos das ilusões pejurativas podemos então adotar uma conduta superior onde o universo não se divide em duas partes e as nossas acções influenciam beneficamente o universo como um todo.

Recapitulando, a nossa psique tem os seus conteúdos divididos entre o que aceitamos e o que não aceitamos. O que não aceitamos deposita-se na sombra e esta é sempre inconsciente mas manifesta. Ela surge na nossa perceção da realidade e podemos identifica-la em tudo o que criticamos com carga emotiva negativa. Se não gostamos da nossa realidade então não temos a nossa sombra integrada. Se não gostamos de nós mesmos então não temos a nossa sombra integrada e ela está a aflorar nos nossos comportamentos, emoções, ideias, etc. Quando “não estamos em nós” ou desistimos de fazer o que achamos correto então fomos possuídos pela sombra.

Integrar a sombra permite-nos ser íntegros, completos, tendo total conhecimento de nós mesmos. “Ser” e “Estar” passam a ser a mesma coisa. Permite uma percepção contemplativa onde a ilusão se desvanece e podemos ver o universo por aquilo que ele é na nossa proximidade.

Este acesso à verdade é fundamental para sermos conscientes das nossas escolhas. Podemos então aplicar o nosso poder pessoal em nosso favor e das ideias e objetivos que consideremos desejáveis.

A sombra é ardilosa por natureza e as suas manifestações, sempre presentes, são traiçoeiras. E quanto a isto a vigília terá de estar sempre presente. Apenas ela poderá proporcionar continuidade do estado contemplativo.

Afonso Guimarães

08-07-2013

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